sexta-feira, junho 08, 2007

[Política(?)] Socialismo, Burguesia e ... maneiras à mesa, segundo George Orwell

Socialismo, Burguesia e ... maneiras à mesa, segundo George Orwell

“Uma pessoa de classe média adere ao socialismo e talvez até ingresse no Partido Comunista. Que diferença concreta faz isso? Obviamente, vivendo no quadro da sociedade capitalista, tem de continuar a ganhar a vida, e não o podemos censurar se se apegar ao seu estatuto económico burguês. Mas notar-se-à alguma alteração nos seus gostos, nos seus hábitos, na sua maneira de pensar – na sua ‘ideologia’, segundo o jargão comunista? Dar-se-á alguma mudança, excepto passar a votar trabalhista ou, quando possível, comunista? Nota-se que continua a conviver com os da sua classe; sente-se muito mais à vontade com um membro da sua classe que o considera um perigoso ‘comuna’, do que com um membro da classe operária que supostamente concorda com ele; os seus gostos em matéria de alimentação, vinhos, roupas, livros, arte, música, ballet ainda são gostos reconhecidamente burgueses; e o mais significativo é que se casa invariavelmente na sua classe. Veja-se qualquer socialista burguês. Veja-se o camarada X, membro do Partido Comunista da Grã-Bretanha e autor de O Marxismo Explicado aos Bébes. Acontece que o camarada X estudou em Eton. Estaria disposto a morrer nas barricadas, pelo menos em teoria, mas reparem que ainda deixa desabotoado o último botão do colete. Idealiza o proletariado, mas é impressionante verificar até que ponto os seus modos são diferentes dos do proletário. Talvez tenha, por mera provocação, fumado um charuto sem lhe retirar o rótulo, mas ser-lhe-ia quase fisicamente impossível levar à boca bocados de queijo espetados na ponta de uma faca ou manter o chapéu posto dentro de casa, ou até sorver o chá do pires. Talvez as maneiras à mesa não sejam um mau teste de sinceridade. Conheci muitos socialistas burgueses, ouvi-os discursar durante horas contra a sua classe e, no entanto, nunca, mas nunca, encontrei um que tivesse adoptado as maneiras dos proletários à mesa. E contudo, no fim de contas, o que os impede? Por que razão um homem que está convencido de que o proletariado reúne todas as virtudes se dá ao trabalho de comer a sopa sem fazer barulho com a boca? Só pode ser por, bem no íntimo, pensar que as maneiras dos proletários são repulsivas. Assim se vê que ainda continua sob a influência do que aprendeu na infância, quando o ensinaram a odiar, temer e desprezar a classe operária.”
O Caminho para Wigan Pier – George Orwell

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